Entrevista com o ex-ministro da Previdência Ricardo Berzoini

Criado em em: 4 de dezembro de 2017 / Atualizado em: 4 de dezembro de 2017

A Fundação Libertas recebeu o ex-ministro da Previdência Ricardo Berzoini para um bate-papo sobre os desafios da previdência no Brasil e seus efeitos para os trabalhadores.

A entrevista foi concedida no evento de abertura do 3º Ciclo do Planejamento Estratégico 2015-2020 da Fundação Libertas, realizado no dia 21 deste mês. Confira aqui a entrevista.

1 – Como o senhor enxerga as mudanças propostas pela Reforma da Previdência?

Com muita preocupação porque a maior parte das mudanças tem um caráter excludente, ou seja, vai excluir a maior parte da população carente da aposentadoria. O Brasil é um país muito desigual e essa desigualdade se reflete no mercado de trabalho. À medida que você tem regras que se aplicam a todos, elas atingem de maneira mais dura os mais frágeis. Por isso sempre defendi que a previdência social do regime geral tem que ter uma preocupação de incluir e tem que ter regras que evitem a exclusão.

2 – Quais são, para o senhor, os maiores impactos que a Reforma da Previdência trará para os trabalhadores? Quem serão os mais afetados?

Se aprovada uma idade mínima, igual para todos, ela cria a situação de permitir que pessoas de classe média alta ou de classe média se aposentem e vivam muitos anos, enquanto os mais pobres ou não vão viver até a idade mínima aprovada ou terão pouco tempo de vida após se aposentarem. Muitas das pessoas, quando chegam aos cinquenta anos, têm dificuldade de permanecer no mercado de trabalho. Então, esse tipo de desigualdade do mercado, desigualdade social, desigualdade de anos de estudo se reflete também em relação à questão previdenciária. Então, o sistema previdenciário, com esse tipo de regra, pode ser na verdade a exclusão total desses trabalhadores. E também há as regras propostas com relação à previdência rural, que é uma modalidade muito específica de previdência. É preciso reconhecer que esta é uma atividade muito irregular, muito sazonal, e que a contribuição regular é muito difícil. Se for aprovada algum tipo de contribuição regular, milhões de trabalhadores rurais perderão a expectativa de se aposentar.

3 – O senhor pensa que a reforma vai acarretar alguma mudança na cultura de previdência da população? Qual?

Eu acho que talvez essa seja a questão mais importante de ser e a reforma não ataca, que é as pessoas terem noção muito jovens de que é importante estabelecer um grau de trabalho formal. Muita gente na juventude é bem-sucedida em trabalhos informais, não acredita que vai envelhecer um dia ou que vai sofrer um acidente ou que vai ficar doente e acaba não contribuindo por vários anos, só passa a contribuir quando adquire um trabalho formal. Então, é importante contribuir, seja qual for o tipo de trabalho. O regramento previdenciário permite que as pessoas contribuam como contribuintes individuais ou facultativos, mesmo quando não estão num regime de trabalho formal. Então, combater a informalidade é importante, mas também manter a regularidade previdenciária. Isso é uma questão de cultura, mas a reforma não trata disso.

4 – No contexto da reforma e de seus efeitos, a previdência complementar fechada pode passar a desempenhar um papel importante? Por que?

A previdência complementar fechada, sem fins lucrativos, tem um papel muito importante para complementar a renda dos trabalhadores, principalmente quando é o caso de pessoas que ganham mais do que o teto do regime geral. Para quem ganha até o teto do regime geral, a contribuição para o INSS é muito importante porque tem uma abrangência muito grande de proteções. Inclusive proteção em relação ao salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-acidente, entre outros. No caso de fundos de pensão, evidentemente eles atendem mais o trabalhador que ganha mais de R$ 5 mil. E esse trabalhador quase sempre, no Brasil, faz parte de um pequeno contingente, porque a maioria dos trabalhadores ganha menos do que isso. Então é importante saber que é sim importante um regime de previdência complementar, mas ele não é diretamente afetado pela situação da reforma da previdência. Indiretamente sim, porque como a reforma trabalhista já vai reduzir a base de trabalhadores contribuintes, também a reforma, se aprovada, pode provocar eventualmente um desestímulo das pessoas de contribuir e de ficar numa atividade informal do que ter uma regularidade previdenciária.

5 – Como devemos pensar as fontes de financiamento da previdência?

É preciso entender que, embora o sistema seja único, há uma divisão de tarefas da previdência, da assistência e da saúde. Na previdência a sustentação não é sobre a folha de pagamento. Os constituintes, em 87, perceberam que, pelas mudanças demográficas e pelo aumento na expectativa de vida, seria necessário ter um sistema de financiamento híbrido, como vários países já fazem. Neste caso existem três contribuições: a do trabalhador, a do empregador e a da sociedade como um todo. Por isso, se lermos o texto constitucional, vamos verificar que existe a previsão da contribuição sobre a folha, a contribuição social sobre o lucro líquido e a contribuição sobre o faturamento, a chamada COFINS, para sustentar o conjunto da seguridade. Cabe ao congressista todos os anos – e a cada quatro anos no plano plurianual – fazer as previsões para ver quanto será alocado em cada uma dessas contribuições e se é necessário constituir novas fontes de arrecadação para financiar um sistema que não é um fundo de pensão, não é um plano previdenciário de mercado, é um sistema de política pública de previdência social. Portanto, deve ser financiado com os recursos próprios típicos de folha e com outros recursos que vêm do conjunto da sociedade.

6 – Como a reforma trabalhista vai afetar a arrecadação previdenciária?

A reforma trabalhista vai reduzir a base contributiva da previdência social geral, que vai ter impacto em vários segmentos da previdência complementar. Vai na direção de suprimir características do direito trabalhista brasileiro que eram de décadas e geraram uma cultura no Brasil e que tem um vínculo direto com o mercado de trabalho e, portanto, com o financiamento da previdência social geral e com o financiamento dos regimes próprios de previdência complementar. Dessa forma, cria-se uma incerteza no cenário que tem que ser analisada com atenção. Por outro lado, existe uma tentativa de buscar alternativas de investimento que sejam minimamente seguras, porque não se pode buscar rentabilidade sem levar em conta a questão do risco. Esses investimentos devem ser capazes de prover liquidez no momento adequado para o perfil de cada plano de previdência complementar e para honrar os benefícios. Temos um desafio muito grande, que é esse crescimento permanente da expectativa de vida: todos nós queremos viver mais e melhor e queremos, evidentemente, ter renda para isso. Os planos de previdência complementar são instrumento fundamental para isso.